Hoje gostaria de abordar outro aspecto das luxações (ou deslocamentos) do quadril: a luxação paralítica, ou das doenças neuromusculares, sendo importantes exemplos dessas a paralisia cerebral (PC) e a mielomeningocele (MMC).
Tanto a PC quanto a MMC são doenças neuromusculares, ou seja, doenças que afetam a força muscular em decorrência de defeitos do comando neurológico central (cérebro e medula espinhal, respectivamente) que, em casos graves, levam à luxação do quadril. Na PC e na MMC, a luxação de quadril, quando ocorre, não pode ser resolvida com tratamentos não cirúrgicos como as órteses mencionadas nos posts anteriores. Isso por que, por um lado, na DDQ (luxação congênita), a criança possui controle e força muscular adequados; portanto, basta que se posicione (ou se reduza) o quadril no seu lugar, o que na maioria dos casos é obtido com o uso das órteses, para então, nos meses seguintes, com adequada estabilidade, o corpo, com balanço de forças musculares normais, manter o quadril reduzido.
Por outro lado, na PC e na MMC, que são caracterizadas por falha no comando neurológico da força muscular, não basta somente reduzirmos o quadril e inicialmente mantermos a redução com órteses pois, nos casos de ambas as patologias, a ausência de forças musculares normais desequilibra a articulação, sendo que basta retirar a órtese para, por desbalanço muscular significativo, novos episódios de luxação ocorrem.
Figura 1: quadril luxado na luxação paralítica.
Dessa forma, a única opção restante para redução de quadril no contexto da PC e da MMC é o tratamento cirúrgico; somente isso obtém redução estável por tempo prolongado. As opções cirúrgicas sempre envolvem cortes (ou incisões), e variam desde liberações ou alongamentos tendinosos, ou ainda transferências de tendões (mais utilizadas para a MMC), até os cortes ósseos, ou osteotomias (sempre necessárias para a MMC), que podem ser realizados no fêmur e/ou na bacia, dependendo da gravidade.
Figura 2: cirurgia com osteotomia do fêmur e da bacia na luxação paralítica.
Há, porém, grandes diferenças de manejo e conduta na PC em comparação com a MMC; na PC, por exemplo, sendo constatada luxação ou subluxação de quadril, costuma-se indicar o tratamento cirúrgico. Na MMC, a discussão é profunda, frequentemente optando-se pelo tratamento não cirúrgico (ou seja, optando-se por nenhum tratamento!) porque, nessa situação, a abordagem cirúrgica pode trazer grandes complicações como rigidez, fraturas, ou ossificação heterotópia (formação de ossos em locais inadequados), levando a prejuízos funcionais maiores do que a manutenção do tratamento conservador.